Compreendendo o estado de tensões do maciço de solo

por Márcio Leão em 22/Jan/2021
Compreendendo o estado de tensões do maciço de solo

O estado de tensões do terreno natural, em geral, não é conhecido, até porque é muito difícil conhecê-lo, já que as próprias tentativas na instalação de instrumentos de medição já seriam suficientes para modificar esse estado. O estado de tensões do terreno natural variará muito de um ponto a outro, segundo as formas topográficas e tectônicas. Os dobramentos e falhas geológicas, por exemplo, deixam – em muitos casos – tensões residuais importantes. Este fenômeno é comprovado ao realizarmos aberturas em escavações e túneis que favorecem o relaxamento dessas forças. Entretanto, estudar esses problemas não são triviais e, desta forma, devemos considerar uma situação mais simplificada.

Imagine um solo que foi sedimentado regularmente e hoje se encontra em uma profundidade z hipotética, em que naquele momento as tensões sobre este horizonte de solo eram nulas. Posteriormente, foram depositadas sobre a camada outras camadas de solo, ocorrendo a produção de uma força compressional vertical. No momento atual, se chamamos γ o peso específico do terreno, descontando o empuxo que é causado pela água, cujo sentido é contrário a força peso, a compressão vertical da camada situada a uma profundidade z é igual a γ·z. Entretanto, se supormos que a camada é praticamente indefinida, o cubo (Figura 1) não poderá expandir, contraindo-se com o restante da camada de solo, submetido a todo regime de compressão.

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Figura 1 - Estado natural de tensões no terreno a uma profundidade z

O impedimento do solo se expandir será em função de uma compressão horizontal, uniforme em todas as direções do plano, recebendo o nome de empuxo no repouso K0 . O coeficiente de empuxo lateral no repouso é definido como a razão entre as tensões efetivas, horizontal e vertical, sob condição de deformações horizontais nulas. Alguns autores propõem diversas relações para este parâmetro.

A obtenção de K0 está relacionada ao problema geral da determinação das características iniciais de tensões e deformações do solo. Ele pode ser encontrado por diversas formas, como a Teoria da Elasticidade, correlações empíricas, ensaios de laboratório e campo. Segundo Terzaghi e Peck (1948), os valores de K0 variam entre 0,40 e 0,45 para areia fofa, de 0,45 a 0,50 para areia compacta e 0,70 a 0,75 para argilas.

Suponhamos agora que o terreno natural ou aterro, no estado de empuxo no repouso, coloque uma parede a certa profundidade indefinida, porém infinitamente rígida de tal forma que não produza nenhuma alteração do estado de tensões. Uma vez feito isso, vamos fazer desaparecer parte do terreno que se encontra a um dos lados da parede, sem poder sofrer qualquer movimento (o estado de tensões da outra parte do terreno não variará). Esta parede pode ser comparada a um muro de arrimo, por exemplo. O empuxo que o muro sofre por parte das massas de terra é horizontal e cresce linearmente com a profundidade, sendo igual a K0·γ·z . Um muro projetado a partir destas condições estará, sem dúvida, em boas condições de estabilidade e assim, poderíamos afirmar que os problemas de empuxos de terra estariam resolvidos. Entretanto, o problema do cálculo do empuxo de terra é um dos mais complexos na Mecânica dos Solos.

Um maciço de terra encontra-se em equilíbrio plástico quando em qualquer dos seus pontos há um equilíbrio entre as tensões cisalhantes e as tensões resistentes. Podemos ter dois estados de tensão. O primeiro é denominado estado de tensão ativo e desenvolve-se quando o movimento relativo entre o solo e a estrutura de contenção causa uma expansão no maciço contido, levando-o ao equilíbrio plástico. O segundo é denominado passivo e desenvolve-se quando o movimento relativo entre o solo e a estrutura de contenção causa uma compressão no maciço contido, levando-o ao equilíbrio plástico.

Fica claro que o empuxo de solo, em um terreno capaz de resistir ilimitadamente a esforços cortantes, depende dos movimentos da parede de suporte e pode variar de zero até o infinito. Esse mesmo empuxo, que ocorre sobre uma estrutura que resiste – porém, cedendo a certa magnitude e que depende de suas características estruturais – é chamado de empuxo ativo. Como vimos ele pode variar neste terreno hipotético entre zero e o empuxo do terreno no estado natural. Ao empuxo, que atua sobre uma parede que avança contra o maciço, chamamos de empuxo passivo, o qual neste terreno hipotético pode oscilar entre o empuxo do terreno natural e infinito.

Se desejarmos construir um muro de apoio para o talude neste terreno, veríamos que seria muito caro para que resistisse o empuxo do terreno no estado natural. Por mais fraco que fosse o muro que projetássemos, ele sempre poderá resistir à condição de que sua estrutura seja suficientemente flexível para suportar sem romper o deslocamento necessário para chegar ao equilíbrio. O terreno real, porém, tem uma resistência aos esforços cortantes, limitada e o empuxo, em muitos casos, não pode chegar a anular-se e nunca poderá chegar a ser infinito.

Na prática, é comum chamar o empuxo ativo mínimo do terreno sobre um muro quando este possui robustez suficiente para resistir, ou de forma análoga, o empuxo passivo máximo para projetar uma ancoragem com apoio com as dimensões mínimas necessárias para transmitir um esforço. Será que o movimento de suporte do empuxo sempre poderá ser considerado paralelo?

Fonte: LEÃO, M. F.. Fundamentos em Mecânica dos Solos. 1. ed. Campinas: Kroton, 2018. v. 1. 250p .

Márcio Leão

É Pós-Doutor em Geotecnia pela UFV, Doutor em Geologia de Engenharia pela UFRJ, Doutorando em Geotecnia pela UERJ, Mestre em Geotecnia pela UERJ, Mestre em Geologia de Engenharia pela UFRJ, possui MBA em Gestão de Projetos pela USP e Bacharel em Geologia pela UFRJ. Geólogo com 13 anos de experiência em planejamento de obras de arte de engenharia civil, nacionais e internacionais. É Docente de Graduação e Pós-graduação. É Pesquisador e Consultor nas áreas de Geologia de Engenharia e Geotecnia, com ênfase em mecânica das rochas, mecânica dos solos, barragens, túneis, taludes e meio ambiente, investigações de campo e ensaios de laboratório e in situ, bem com instrumentação geotécnica. É Membro de Comissões Técnicas, de Corpo Editorial e Revisor Ad hoc de Periódicos nacionais e internacionais.

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