Patrimônio Espeleológico e Licenciamento Ambiental: História, Leis e Desafios no Brasil

Instituto Minere

A preocupação com a preservação, conservação e utilização dos recursos naturais de forma sustentável no Brasil obteve maior destaque a partir da criação, em 31 de agosto de 1981, da Lei nº 6.938, a qual estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA. Entretanto, foi a partir de 1988, com a instituição da Constituição da República Federativa do Brasil que a PNMA foi consolidada. Segundo essa legislação, qualquer utilização de recursos naturais deve ser precedida de um licenciamento ambiental como forma de garantir o controle social sobre o patrimônio natural do País.

Para garantir a execução dos instrumentos da PNMA, foi estabelecida a Lei n° 7.735 de 22 de fevereiro de 1989, que criou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, o qual absorveu atribuições de vários órgãos ambientais existentes até então.

Com o objetivo de garantir a integridade do Patrimônio Espeleológico Brasileiro, em 15 de junho de 1990, o IBAMA publicou a Portaria nº 887 que estabeleceu uma área de proteção mínima de 250 metros no entorno das cavidades, até que sejam realizados estudos técnico-específicos que comprovem a real área de influência das mesmas. A área de influência de uma cavidade natural subterrânea há de ser definida por estudos técnicos específicos, obedecendo às peculiaridades e características de cada caso.

Ainda em 1990, foi criado o Decreto Federal nº 99.556, o qual também dispõe sobre a proteção das cavidades naturais e dá outras providências. Segundo essa norma legal, entende-se como cavidade natural subterrânea todo e qualquer espaço subterrâneo penetrável pelo homem, com ou sem abertura identificada. Popularmente conhecido como caverna, incluindo seu ambiente, conteúdo mineral e hídrico, a fauna e a flora ali encontrados e o corpo rochoso onde os mesmos se inserem, desde que a sua formação tenha ocorrido por processos naturais, independentemente de suas dimensões ou do tipo de rocha encaixante. Nesta designação estão incluídos todos os termos regionais, tais como gruta, lapa, toca, abismo, furna e buraco. Sendo assim, empreendimentos de qualquer natureza previstos em áreas de ocorrência de cavidades naturais subterrâneas ou de potencial espeleológico, tem sua instalação e funcionamento condicionados ao licenciamento pelo órgão ambiental competente.

Figura 1: Equipe técnica durante o levantamento de campo espeleológico para o licenciamento ambiental. Foto: Arquivo Spelayon Consultoria EPP, 2011.

Em 2004, com o objetivo de aprimorar e atualizar o Programa Nacional de Proteção ao Patrimônio Espeleológico e considerando a necessidade de licenciamento ambiental das atividades que afetem ou possam afetar o Patrimônio Espeleológico ou a sua área de influência, o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA instituiu a Resolução CONAMA nº 347.

Em 7 de novembro de 2008, através do Decreto Federal nº 6.640, foram alterados os Arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º e acrescentados os Arts. 5-A e 5-B ao Decreto Federal nº 99.556, de 1º de outubro de 1990. Essa alteração permite uma nova classificação para as cavidades naturais subterrâneas, que serão classificadas de acordo com seu grau de relevância em máximo, alto, médio ou baixo, determinado pela análise de atributos ecológicos, biológicos, geológicos, hidrológicos, paleontológicos, cênicos, histórico-culturais e socioeconômicos, avaliados sob enfoque regional e local.

Segundo este novo normativo legal, (Art. 5º-A): a localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades, considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou degradadores de cavidades naturais subterrâneas, bem como de sua área de influência, dependerão de prévio licenciamento pelo órgão ambiental competente. Em seu § 1º, o órgão ambiental competente, no âmbito do processo de licenciamento ambiental, deverá classificar o grau de relevância da cavidade natural subterrânea, observando os critérios estabelecidos pelo Ministério do Meio Ambiente. Ainda de acordo com este Decreto, a cavidade com grau de relevância máximo e sua área de influência não podem ser objeto de impactos negativos irreversíveis, sendo que sua utilização deve fazer-se somente dentro de condições que assegurem sua integridade física e a manutenção do seu equilíbrio ecológico. A cavidade classificada com grau de relevância alto, médio ou baixo poderá ser objeto de impactos negativos irreversíveis, mediante licenciamento ambiental. A metodologia para a classificação das cavidades em graus de relevância deve seguir os critérios estabelecidos pela Instrução Normativa nº 02, publicada em 2009 pelo Ministério do Meio Ambiente.

Diante da possibilidade de impacto irreversível em cavidades naturais subterrâneas, foram publicadas as Instruções Normativas nos 30/2012 e 01/2017 que tratam da compensação espeleológica para empreendimentos que ocasionem impacto negativo irreversível em cavidade natural subterrânea classificada com grau de relevância alto e que não possuam na sua área, conforme análise do órgão licenciador, outras cavidades representativas que possam ser preservadas sob a forma de cavidades testemunho.

A avaliação dos impactos ambientais não tem seu fim com a concessão da licença de operação do empreendimento. A etapa de acompanhamento do licenciamento é crucial para que o processo de avaliação de impactos ambientais desempenhe satisfatoriamente seu papel. Em razão da fragilidade do ambiente cavernícola, o monitoramento dos impactos a ele causados mostra-se de fundamental importância para ser dimensionada a sua magnitude e avaliada a eficiência das medidas preventivas adotadas, propondo, quando necessária, a adoção de medidas mitigadoras complementares ou mesmo a alteração do projeto inicial, mas ainda não existe legislação específica para o monitoramento do patrimônio espeleológico no Brasil.

Minas Gerais é o principal estado minerador do país, possuindo grandes reservas e enorme variedade de bens minerais que constituem um dos pilares de sua economia e da grande maioria de seus municípios. Em decorrência da existência destas peculiaridades geológicas, o estado abriga alguns dos mais expressivos e diversificados patrimônios espeleológicos do planeta, sendo notáveis as ocorrências em rochas carbonáticas, siliciclásticas e ferríferas.

Figura 2: Entrada da Gruta Kiwa, Pico do Itacolomi, Ouro Preto (MG). Foto: Mariana Barbosa Timo, 2015.

Este patrimônio pode ser identificado com dano, mesmo antes da caracterização inicial de seus atributos de relevância, como consequência de atividades predatórias ou do desconhecimento da importância deste ecossistema. Para atribuir uma compensação ambiental nestes casos, o governo do Estado de Minas Gerais publicou em setembro de 2016 o Decreto Estadual nº 47.041, que dispõe sobre os critérios para a compensação e indenização dos impactos e danos causados em cavidades naturais subterrâneas no território do Estado.

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Autor

Mariana Barbosa Timo

Diretora da Spelayon e professora do curso de Espeleologia no Licenciamento Ambiental

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