Gestão de Riscos na Mineração: estamos evoluindo mesmo — ou só trocando o rótulo?

Instituto Minere

Por décadas, a mineração brasileira tratou risco como checklist e conformidade. O contexto mudou: clima extremo, pressão ESG, acidentes de alto impacto e cobranças de governança. A virada é sair do “cumprir norma” e integrar ISO 31000 à estratégia, criando valor, resiliência e confiança com stakeholders.

Por que falar disso agora?

Um levantamento do Instituto Escolhas indica que ~3.900 áreas de lavra no Brasil apresentam sinais de abandono. O dado expõe um problema estrutural: gestão de riscos ainda fragmentada e, muitas vezes, reativa. Some a isso o legado de grandes acidentes (como Brumadinho, 2019) e o cenário fica claro: checklist não dá mais conta.

Tese do post: migrar do “cumprimento mínimo” para gestão de riscos integrada à governança e à estratégia. É assim que risco deixa de ser custo e vira decisão que paga.

Da conformidade à estratégia: o que muda na prática

Como era (e ainda é, em muitos lugares)

  • Risco dividido por silos (SSMA, fiscal, jurídico etc.), sem linguagem comum.
  • Checklists capturam perigos simples, mas não conectam com objetivos estratégicos.
  • Vulnerabilidade a eventos sistêmicos (clima, preço, barragens) e miopia sobre interdependências.

Como precisa ser

  • ISO 31000:2018 como referência para um processo estruturado, abrangente e integrado ao negócio.
  • Decisões de CAPEX, expansão e tecnologia consideram risco explicitamente (não como anexo).
  • Em barragens, monitoramento geotécnico e planos de emergência existem — e se ligam a metas, orçamento e governança (não apenas a auditorias).

4 princípios para destravar a nova gestão de riscos mineral

  1. Integração total: Do conselho ao operacional, risco entra no ciclo decisório (planejamento, orçamento, metas).
  2. Contexto & informação: Clarificar contexto interno/externo e usar dados de qualidade (operacionais, climáticos, mercado) para priorizar o que importa.
  3. Valor em primeiro lugar: Risco cria valor quando orienta alocação de capital, melhora confiabilidade e reduz custo de capital (seguros, rating, percepção do mercado).
  4. Melhoria contínua: Processos de risco evoluem com a operação: lições aprendidas, auditorias internas e revisão de limites de risco.

O que a empresa ganha quando faz direito

  • Confiabilidade operacional: menos falhas e acidentes; mais disponibilidade e produtividade.
  • Acesso a capital & seguros: maturidade de risco melhora percepção de solvência e reduz prêmio.
  • Decisão melhor: risco “conversa” com ROI, NPV, cenários e simulações — não é um checklist à parte.
  • Reputação & licença social: diálogo consistente com comunidades, regulador e investidores.

Roadmap enxuto para sair do checklist e entrar na estratégia

1. Governança:

  • Crie (ou fortaleça) um Comitê de Riscos no nível executivo.
  • Defina apetite e limites de risco (técnico, financeiro, socioambiental) com métricas claras.

2. Processo & método:

  • Adote um framework único (ISO 31000) e normalize a linguagem de risco.
  • Priorize riscos críticos com matriz + análises quantitativas simples (cenários P10/P50/P90, tornado).

3. Dados & tecnologia:

  • Integre fontes (geotecnia, manutenção, clima, contratos).
  • Use dashboards e alarmes de early warning (ex.: barragens, chuvas extremas).

4. Cultura & competências:

  • Treine liderança e times de campo; risco é de todo mundo.
  • Institua ritos de lições aprendidas e pré-mortem em projetos.

Perguntas para levar para a sua operação

  • Nosso comitê discute risco antes de aprovar CAPEX?
  • Temos apetite de risco documentado (e praticado) para segurança, meio ambiente e finanças?
  • O PABM e o monitoramento geotécnico alimentam decisões de rotina (paradas, drenagem, redundância)?
  • Usamos cenários quantitativos simples quando o impacto/valor é relevante?
  • Quais 5 indicadores precoces (leading) realmente evitariam o próximo incidente?

Conclusão: do rótulo ao resultado

Sair do checklist não é trocar a planilha — é mudar a conversa. Quando risco entra no centro da estratégia, a mineração fica mais segura, eficiente e competitiva. Governança de risco bem feita paga: melhora decisão, reduz perdas, abre portas com investidores e fortalece a licença social para operar.

Para se aprofundar

  1. ABNT. NBR ISO 31000:2018 — Gestão de Riscos: Diretrizes.
  2. ANM. Resolução nº 13.575/2017 — Segurança de Barragens de Mineração.
  3. ANM. Resolução nº 95/2022 — Consolidação de normas sobre segurança de barragens.
  4. Instituto Escolhas (2024). O que o Brasil precisa fazer para acabar com a mineração ilegal.
  5. Silva, A.L.M.A.; Oliveira, L. (2023). Gestão de Riscos na Mineração: Da Conformidade à Estratégia. Revista Brasileira de Mineração.
  6. Wright, S.; Gibbs, T. (2022). Integrated Risk Management in Mining Projects. International Mining Journal.

Compartilhe

WhatsApp
Facebook

Autor

Claudinei Cruz

Especialista em Recursos Minerais na ANM. Profissional Certificado pela ISO 31000, Gestão de Risco. Professor no Instituto Minere

Blog

Últimas notícias

Eventos

Últimos Evento