De “Compliance” a “Cultura de Risco” — o passo que transforma uma mineradora comum em uma organização resiliente

Instituto Minere

Cumprir norma evita multa, não garante resiliência. A virada é construir cultura de risco: liderança envolvida, transparência, capacitação contínua, incentivos ao comportamento seguro e aprendizado sistemático. Resultado? Menos incidentes, decisões melhores e mais confiança dos stakeholders.

Por que isso importa agora?

Mariana (2015) e Brumadinho (2019) deixaram uma lição dura: conformidade formal não basta. A expectativa do setor — de investidores a comunidades — é que risco saia do papel e entre no comportamento diário da organização. Isso se chama cultura de risco.

O que é “Compliance” (e seu limite)

Compliance é o conjunto de políticas e práticas para cumprir leis e regulamentos (ambiental, trabalhista, segurança de barragens, etc.). É essencial — mas, sozinho, é reativo e tende a focar no “evitar penalidade”.
Limite: não captura bem incertezas complexas, interdependências e sinais fracos que antecedem crises.

O que é “Cultura de Risco” (e por que muda o jogo)

É o jeito de pensar e agir da empresa diante do risco — dos conselheiros ao operador de campo. Em uma cultura madura:

  • Conselho discute risco com a mesma seriedade que discute CAPEX e retorno.
  • Gerentes integram identificação, análise e mitigação na rotina.
  • Times de campo têm autonomia para parar atividades inseguras — sem retaliação.

Isso torna a gestão de riscos transversal, não um departamento.

Cinco pilares para sair do “papel” e chegar ao “comportamento”

  1. Liderança comprometida
    Comitê de Riscos ativo, apetite e limites definidos, métricas de risco atreladas a bônus e metas.
  2. Comunicação & transparência
    Canais formais/informais para reporte (linhas diretas, workshops de campo), ritos de diálogo franco sobre incertezas.
  3. Educação contínua
    Onboarding com risco no centro; reciclagens periódicas; formação de lideranças operacionais como multiplicadores.
  4. Incentivos ao comportamento seguro
    Reconhecer quem previne (não só punir quem erra). Programas de recompensa para relato de quase-acidentes e melhorias.
  5. Aprendizado sistemático
    Pós-incidente e pré-mortem em projetos; lições aprendidas que viram mudança de procedimento, não apenas relatórios.

Benefícios tangíveis (e mensuráveis)

  • Menos acidentes e paradas: confiabilidade operacional melhora.
  • Mais resiliência: resposta mais rápida a chuvas extremas, rupturas de suprimento, volatilidade de preço.
  • Confiança dos stakeholders: licença social fortalecida e menor atrito regulatório.
  • Vantagem competitiva: acesso a seguro e crédito mais barato; melhor percepção de risco e governança.

Roadmap enxuto: da conformidade à cultura de risco

Quer começar a transformar a cultura de risco da sua empresa? Siga este roteiro em cinco etapas, que o ajudarão a sair do “papel” e chegar ao “comportamento”:

  • Diagnóstico Cultural: Comece com uma avaliação interna. Use uma pesquisa de cultura de risco para entender a percepção das pessoas, a abertura para relatar problemas e a coerência entre o que é dito e o que é feito na prática.
  • Direção e Governança: Estabeleça a liderança. Crie um Comitê de Riscos executivo, defina os limites de risco aceitáveis (técnico, socioambiental e financeiro) e conecte os riscos mais importantes aos seus objetivos e orçamento.
  • Processos e Rituais: Integre a gestão de riscos na rotina. Faça com que a análise de riscos seja parte do planejamento de projetos, das manutenções e dos contratos. Crie rituais simples, como conversas diárias sobre riscos em campo e revisões trimestrais para aprender com os erros.
  • Capacitação e Incentivos: Invista nas pessoas. Ofereça treinamentos para todos os níveis da empresa, do conselho à operação. Crie um programa de reconhecimento para quem age de forma preventiva e incentive a formação de “embaixadores de risco” nas equipes.
  • Informação e Sinais Precoces: Use dados a seu favor. Desenvolva painéis de controle com indicadores que mostrem riscos iminentes. Gerencie os “quase-acidentes” como uma fonte valiosa de conhecimento para evitar problemas futuros.
  • Medir, Ajustar e Repetir: Avalie constantemente. Acompanhe os resultados com indicadores, como a frequência de relatos de problemas e o tempo de resposta para solucioná-los. Faça auditorias que avaliem a cultura, e não apenas os processos.

Faça um teste rápido: sua empresa está pronta para a cultura de risco?

Responda “sim” ou “não” para as seguintes perguntas. Seja honesto!

  • Temos um limite de risco aprovado e usado para tomar decisões importantes?
  • Os “quase-acidentes” são relatados sem medo e se transformam em melhorias?
  • O Comitê de Riscos discute os riscos antes de aprovar novos investimentos?
  • A remuneração da liderança inclui metas e métricas relacionadas à gestão de riscos?
  • Nossos planos de emergência e monitoramento são usados na prática para melhorar a operação?

Se você respondeu “não” para três ou mais perguntas, a sua prioridade não é mais criar procedimentos. É hora de focar em construir uma cultura de risco robusta.

Perguntas para levar à próxima reunião

  • Quais são os 5 sinais precoces que, se monitorados melhor, evitariam nosso próximo incidente?
  • Onde a política diz “pare” e a cultura ainda incentiva “entregar a qualquer custo”?
  • Que decisão de alto impacto recente teria sido diferente com um debate explícito sobre risco?

Conclusão

Compliance é necessário — cultura de risco é o que sustenta segurança, continuidade do negócio e reputação. Em mineração, onde incerteza é regra, a vantagem competitiva virá de quem antecipa, aprende e decide melhor sob risco.

Para se aprofundar (leituras citadas)

  1. ABNT. NBR ISO 31000:2018 — Gestão de Riscos: Diretrizes.
  2. ANM. Resolução nº 95/2022 — Regras para segurança de barragens de mineração.
  3. TCU (2020). Relatório de Auditoria: Segurança de Barragens no Brasil.
  4. Silva, A.L.M.A.; Oliveira, L. (2023). Gestão de Riscos na Mineração: Da Conformidade à Estratégia.
  5. Ernst & Young (2022). Risk Culture Survey: Insights into Organizations’ Risk Behaviors.

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Autor

Claudinei Cruz

Especialista em Recursos Minerais na ANM. Profissional Certificado pela ISO 31000, Gestão de Risco. Professor no Instituto Minere

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