A precariedade da Fiscalização de Barragens no Brasil

por Gustavo Cruz em 02/Dec/2015
A precariedade da Fiscalização de Barragens no Brasil

A precariedade da fiscalização das barragens no Brasil se tornou evidente com o desastre em Mariana MG. O Rompimento da Barragem Fundão expos as falhas em departamentos de mineração decrépitos, destacando o número insuficiente de fiscais em função da quantidade de barragens. Alguns levantamentos, inclusive divulgados pela imprensa apontaram que hoje, no Brasil, há um fiscal federal por barragem - os órgãos responsáveis por essa fiscalização são a Agência Nacional de Águas (ANA), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM).

Em Minas Gerais, desde 2005 há uma legislação estadual (Deliberação Normativa No. 87/2005) que introduziu a necessidade de criação de um Cadastro de Barragens e de uma classificação do potencial de risco, variável entre Classe I (baixo risco) e Classe III (alto risco). Ademais, com base nessa classificação, sugere-se a realização de vistorias por profissional com formação adequada, em periodicidade anual, bienal e trienal, dependendo do potencial de risco classificado.

Em nível nacional, a lei 12.334/2010 introduziu a Política Nacional de Segurança de Barragens, que criou, dentre outras coisas, o Sistema Nacional de Segurança de Barragens (SNISB). No âmbito das Barragens de Mineração, a implantação da referida lei ficou a cargo do DNPM que, através de diversas Portarias, em especial a 416/2012 e a 526/2013, definiu:

  • A criação de um Cadastro Nacional de Barragens de Rejeitos – sob responsabilidade do DNPM;
  • A Classificação das Barragens de Mineração – também a cargo do DNPM;
  • O conteúdo mínimo do Plano de Segurança de Barragens de Mineração (PSBM) – de responsabilidade de cada empreendedor, sob fiscalização do DNPM;
  • As Inspeções de Segurança – a cargo do empreendedor, através de empresa ou profissional não pertencente aos quadros do empreendedor, sob fiscalização do DNPM;
  • Os Planos de Ações Emergenciais de Barragens de Mineração (PAEBM) – também a cargo do empreendedor, sob fiscalização do DNPM.

Ainda como resultado da Lei de Segurança de Barragens e das Portarias 416/2012 e 516/2013, a Diretoria de Fiscalização (DIFIS), do DNPM, criou, em 2014, um Manual de Fiscalização, com o intuito de padronizar e sistematizar os procedimentos no que se refere a Segurança de Barragens de Mineração.

Nesse Manual de Fiscalização constam todos os procedimentos a serem seguidos pelos técnicos do DNPM durante a fiscalização das barragens de rejeito no território nacional. Esses procedimentos podem ser divididos em duas atividades principais:

  • Análise Processual – na qual se avaliam os aspectos documentais, de atendimento à legislação vigente (cumprimento de prazos, de envio de documentos, informações e relatório) e de procedimentos a serem adotados previamente à realização de uma vistoria; e
  • Vistoria de Campo – realização de verificação in loco de diversos aspectos referentes à operação, manutenção, monitoramento, e de segurança, tais como:

Situação operacional, tipo de barramento, finalidade, tipo de fundação, data e altura de possíveis alteamentos, classificação do rejeito, teor de ferro e outras substâncias não aproveitadas, condições de acesso;

Estado geral de conservação (vegetação, régua de posicionamento do NA, taludes, leiras, vertedouro, free board), atendimento ao projeto, instrumentação (incluindo problemas, calibração e operacionalidade);

Características técnicas (altura, comprimento, vazão de projeto);

Estado de conservação (confiabilidade das estruturas extravasoras, percolação, deformações e recalques, deterioração de taludes e paramentos);

Plano de Segurança da Barragem (projeto executivo e “as built”, estrutura organizacional e qualificação dos profissionais da equipe de segurança da Barragem, manuais de inspeção, monitoramento e operação, Plano de Ação Emergencial, Relatórios de inspeção e monitoramento da instrumentação e da Análise da Segurança);

Dano potencial Associado (volume total do reservatório, existência de população a jusante. Impacto ambiental, impacto socioeconômico);

Existência de manta impermeabilizadora, Auditoria Interna, responsável técnico, observações gerais.

Categoria de risco (alto, médio e baixo risco – A, B, C, D e E).

A Portaria 416/2012 estipula a seguinte periodicidade de revisão do plano de segurança de barragens (PSB), de acordo da classificação da barragem:

  • Classe A – 5 anos;
  • Classe B – 5 anos;
  • Classe C – 7 anos;
  • Classe D – 10 anos
  • Classe E – 10 anos

Ressalta-se que, entretanto, aquelas barragens que sofrerem alteamento – uma prática usual em barragens de rejeito, devem ser objeto de nova Revisão de Segurança da Barragem de Mineração. Com base nisso, e na frequência anual de alteamentos das barragens de rejeito atualmente, em função da velocidade de lavra e necessidade de disposição desse rejeito, na prática, muitas, senão a grande maioria das barragens de rejeito, deveriam ser objeto de vistoria anual.

Atualmente existem no país, de acordo com o Cadastro Nacional de Barragens de Mineração, acessível através da página do DNPM (http://www.dnpm.gov.br/assuntos/barragens/arquivos-barragens/cadastro-nacional-de-barragens-de-mineracao-dentro-da-pnsb), 386 (trezentas e oitenta e seis) barragens ligadas à mineração no país e inseridas na PNSB (Politica Nacional de Segurança de Barragens). Dessas, 217 (duzentos e dezessete) localizam-se no estado de Minas Gerais, ou seja, 56% do total de barragens de mineração existentes no Brasil estão localizadas no estado mineiro. Se considerar-se o total de barragens existentes em Minas Gerais, 735 (setecentos e trinta e cinco), temos que 29,5 % do total dessas barragens é de mineração.

Nesse contexto, cumpre destacar que há a necessidade de uma rigorosa fiscalização por parte do poder público para que se possa cumprir adequadamente a Lei Nacional de Segurança de Barragens. Entretanto, essa fiscalização, em Minas Gerais, encontra-se claramente comprometida, com base nos fatos que se expõem a seguir.

Em Minas Gerais existem 311 (trezentas e onze) barragens de rejeito cadastradas no DNPM. Dessas, 217 estão inseridas na Política Nacional de Segurança  e necessitam obrigatoriamente do Plano de Segurança de Barragens e devem ser objeto de fiscalização. O DNPM conta com apenas 5 técnicos especialistas para realizar a fiscalização de todas essas estruturas de contenção de rejeitos do Brasil. Em Minas Gerais, o número de técnicos especialistas é de 3. Assim, considerando-se que a maior parte das estruturas existentes em Minas Gerais é classificada como Classe A, B ou C, pois possuem dano potencial associado alto ou médio e requerem maiores cuidados com acompanhamento anual, tem-se que ao final desse período, cada técnico lotado em MG deveria vistoriar um total de 72 barragens em um ano (11 meses), o que dá cerca de 6 barragens por mês! Imaginando-se ainda que 10% das barragens que constam do cadastro (22 barragens) estejam em operação e tenham sofrido alteamento, cada técnico teria, ainda, de vistoriar mais 7 barragens extras por ano, ou seja, uma a cada 1 mês e meio, aproximadamente.

Some-se a isso o fato de que os mesmos técnicos têm, ainda, de atender a denúncias da Polícia Federal, do Ministério Público Estadual, do Ministério Público Federal, realizar vistorias e avaliar Relatórios Finais e Parciais de Pesquisa Mineral, atender a denúncias de Lavra Ilegal e contam com apenas uma caminhonete para toda a equipe, tem-se uma situação insustentável, tanto em termos de pessoal, quanto de infraestrutura.

Na esfera estadual a situação também é preocupante. De acordo com o cadastro Estadual de Barragens da Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM), realizado em 2014 (última versão disponível), existem 450 barragens de mineração em Minas Gerais. Dessas, 126 estão classificadas como de Classe I (alto risco), 165 como de médio risco (Classe II) e 159 como de baixo risco (Classe III). Considerando-se que as barragens Classe I devem ser avaliadas anualmente, e que deveria haver vistoria por parte do órgão ambiental, há a necessidade de se vistoriar pelo menos 11 barragens por mês apenas de Classe I! Se se considerar que ainda há as barragens Classe II, que devem ser vistoriadas a cada 2 anos, esse número é ainda maior, o que demonstra que também em nível estadual há a necessidade de melhoria.

Autor: Professor Eduardo Marques 

Professor Titular da Unicersidade Federal de Viçosa e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil

Gustavo Cruz

Gustavo é fundador, CEO e Planner do Instituto Minere, Lea Hub e Mining Marketing. É mercadólogo, MBA em Comunicação e Marketing pelo BI International. Está no mercado desenvolvendo produtos, negócios, comunicação e comércio em ambientes digitais desde 2012, atuando principalmente nos setores de mineração, envolvendo educação, empreendedorismo e marketing. É desenvolvedor de negócios, planejamento estratégico e transformação digital.


  

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