Principais Erros na Interpretação Geotécnica de Dados Geofísicos

por Luís Gustavo Fava D’Agostino em 09/Jan/2024
Principais Erros na Interpretação Geotécnica de Dados Geofísicos

Mundialmente conhecida e aplicada em praticamente todas as obras geotécnicas, o uso das ferramentas geofísicas dentro da geotecnia no Brasil teve seu uso alavancado nos últimos anos devido aos recentes acidentes envolvendo barragens de rejeito e pela necessidade de uso de ferramentas não invasivas. As ferramentas geofísicas são técnicas físicas propostas para que as condições de subsuperfície sejam estudadas com a mínima interferência humana, o que permite a minimização de incidentes, geração de resíduos e otimização da abrangência das áreas de estudo. Mas, como todo estudo investigativo, está sujeita ao olhar do homem e aos erros associados à sua interpretação, sejam causados por problemas dos levantamentos de campo, inexperiência do processamento, baixo conhecimento técnico ou induzidos por informações externas imprecisas.

A seguir, discutiremos as 5 principais causas que levam ao erro da interpretação de resultados e ineficiência do uso das ferramentas.

1 – Seleção da metodologia/ferramenta inadequada

A partir do momento que é verificada a necessidade de uso de ferramentas não invasivas para análise e estudos da subsuperfície, é muito importante que seja selecionada a aplicação da ferramenta mais adequada para o objetivo final.

Uma vez que as ferramentas geofísicas são baseadas no contraste de propriedades físicas para que se possa entender o comportamento do subsolo, a seleção da ferramenta mais adequada é aquela que irá apresentar a melhor resolução em relação à profundidade, tamanho e contraste do objeto problema.

2 – Informações de calibração de resultados insuficientes

Dentro da ciência de materiais é fácil verificar que uma propriedade física pode ser semelhante ou até mesmo igual para diferentes objetos, ou que um mesmo objeto possa apresentar variações em dada propriedade física quando exposto a condições ambientais diferentes. A essa condição chamamos de ambiguidade da geofísica e toda interpretação de dados e resultados é dita como problema mal posto pois nunca terá todas as informações necessárias para a sua interpretação exata.

Sem informações mínimas diretas para calibração, um levantamento geofísico nunca trará uma interpretação geológico-geotécnica para os seus resultados e sempre ficará aberta a infinitas possibilidades. Para que um dado possa ser interpretado, tenha em mãos a maior quantidade de informações da área e do objeto em estudo quanto for possível.

Outro ponto de atenção neste caso é com relação à qualidade das informações disponíveis. Toda imprecisão das informações fornecidas sempre será automaticamente transferida para a interpretação dos dados: descritivo de sondagens incompletos, caracterização mineralógica minimizada, plantas e perfis locais desatualizados em relação às últimas alterações da estrutura etc.

3 – Malha de levantamento de dados insuficiente

Assim como as informações externas oferecidas podem ser insuficientes para a calibração dos resultados, a malha de levantamento de dados de campo da geofísica pode ser insuficiente para o nível de detalhamento necessário ao projeto.

Quando proposta uma malha de levantamento, esta tem que levar em consideração o tamanho da área de estudo, a profundidade a ser estudada e a precisão requerida para os mapas em planta.

Compare com um levantamento topográfico: o desenho de uma planta topoaltimétrica depende de uma distribuição aleatória de pontos levantados ao longo da superfície. Quando estabelecida uma distribuição de pontos em uma densidade de 1 ponto a cada 10.000,0 m², qualquer irregularidade da superfície a cada 100 m é perdida no desenho final. O mesmo acontece com a interpretação geofísica entre as linhas ou pontos levantados, que ficarão sujeitos à extrapolação matemática dos modelos de inversão. Quanto mais densa a malha, mas preciso é o modelo final gerado.

4 – Erros do levantamento topográfico

Já que comentamos a topografia no item anterior, vamos nos aprofundar um pouco mais neste que é um dos principais fatores externos que influenciam nos erros de locação de anomalias.

Mencionamos que a distribuição dos pontos topográficos muito espaçados perde as imperfeições do terreno. Porém, existe um influenciador na interpretação direta: a correção dos dados durante a inversão depende diretamente do desnível topográfico.

Os algoritmos mais recentes usados nos softwares de inversão de dados geofísicos possui em suas equações a correção da direção dos valores em profundidade ocasionada pela inclinação da linha de levantamento, assim como a diferença horizontal em relação à distância real entre pontos pelo acompanhamento da distância em superfície. 

Ainda podemos citar mais dois erros, e estes relacionados ao posicionamento da malha em superfície: a precisão da tomada do ponto de ensaio (seja pelo desvio instrumental ou pelo erro humano) e o uso de diferentes sistemas de referenciamento de levantamento topográfico (em um mesmo levantamento ou entre o levantamento e as plantas locais).

5 – Comparar dados em escalas diferentes

Dentre os erros de interpretação ocasionados por fatores internos de um ensaio geofísico está o uso de escalas diferentes, sejam escalas de apresentação de variação de valores ou até mesmo o uso de escalas de parâmetros diferentes.

Uma vez que a maioria dos dados geofísicos são apresentados em formato de imagem (perfil ou planta), a inversão dos dados pode gerar escalas diferentes de valores mínimos e máximos da variação da propriedade física. A observação da escala de apresentação de resultados costuma induzir a muitos erros de interpretação, comparando anomalias diferentes como se seguissem por um mesmo padrão.

Outro problema no uso das escalas de apresentação de resultados é a utilização de uma variação da propriedade procurada fora dos valores de alteração, i.e., alterações locais e de menores amplitudes precisam ser apresentadas dentro da escala que evidencie esta variação, assim como análises regionais geralmente utilizam uma amplitude bem maior de valores.

COMO EVITAR OS ERROS?

  • Determine todas as condições de contorno necessárias: qual o objetivo, as dimensões, o local, as condições ambientes, as propriedades físicas de contraste e quais as possíveis fontes de ruído que possam interferir no uso e processamento da ferramenta. A seleção da metodologia mais adequada é uma ponderação entre todas as características de influência no estudo.

  • Garanta que as informações utilizadas para a calibração dos resultados sejam em quantidade suficiente e de boa qualidade – siga as normas estabelecidas, sejam nacionais ou internacionais (aquela que for a mais completa).

  • Estipule o nível de detalhamento necessário e evite os exageros das extrapolações matemáticas na geração de informações. Se for necessário, interprete apenas o que for possível e solicite ensaios e investigações adicionais para onde a interpretação for baseada apenas em suposições.

  • Garanta que todos os dados utilizados se encontram dentro de um mesmo referencial: seja na escolha do datum topográfico, na escolha do parâmetro físico analisado ou no uso da mesma escala para a mesma propriedade.

Por fim, uma última observação como colega de profissão: peça ajuda de um especialista quando for necessário pois ninguém detém o conhecimento absoluto. Uma observação externa pode ajudar a ver o que uma vista cansada deixou passar.


 

 

Luís Gustavo Fava D’Agostino

Geofísico formado pela USP e especialista em Gerenciamento de Área Contaminadas, possui mais de 15 anos de experiência em aquisição, processamento e análise de dados geofísicos, tendo trabalhado com geofísica aérea e terrestre para exploração mineral, meio ambiente, infraestrutura, engenharia, geologia e geotecnia, com vivência de projetos no Brasil e exterior. Desde 2014 é responsável técnico pelas áreas de Geofísica e Meio Ambiente da Fugro Land no Brasil, com principais aplicações de métodos de alta resolução voltados para Geotecnia. Atua diretamente com análise e interpretação de dados geofísicos em segurança de barragens, principalmente na interpretação integrada dos resultados geofísicos com dados de instrumentações, sondagens, ensaios de cone e ensaios laboratoriais.

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