Barragens: grandes projetos, grandes obras e maiores responsabilidades!

por Rafaela Baldí Fernandes em 02/Jun/2017
Barragens: grandes projetos, grandes obras e maiores responsabilidades!

A gestão dos processos associados a Segurança de Barragens é uma atividade ampla, que compreende desde a etapa de investigação geológico-geotécnica, passando pelos projetos e metodologias construtivas, até os procedimentos de operação, manutenção e fiscalização. Desta forma, é essencial que os conhecimentos técnicos sejam bem estabelecidos e fundamentados para que se tenha um embasamento criterioso para a tomada de decisões.

A INVESTIGAÇÃO GEOLÓGICO-GEOTÉCNICA E PROJETOS

A investigação geológico-geotécnica é um conjunto de procedimentos de campo e laboratório que permitem identificar as características dos materiais que serão utilizados e estarão disponíveis para determinado projeto. Geralmente feita por amostragem, deve ser bem especificada, para que sejam minimizadas as variáveis decorrentes da imensa diversidade dos tipos de solos e rochas, bem como das solicitações impostas. Através dos mapeamentos, sondagens e ensaios de campo e de laboratório, é possível caracterizar os materiais em termos de composição e resistência, dentre outros fatores, obtendo parâmetros que permitem avaliar o comportamento a curto e longo prazo, e subsidiar os estudos na fase de elaboração de projetos.

Já na etapa da elaboração dos projetos, são feitas diversas simulações para obtenção de um design que objetive o maior aproveitamento dos recursos disponíveis aos mesmo tempo que garanta a estabilidade da estrutura. Em todos os tipos de projeto, sejam eles conceituais, básicos e executivos, deve-se atentar para os critérios de estabilidade da estrutura, conforme o nível de estudos que deve ser elaborado. As simulações hidrológicas avaliam a influência das precipitações na área de projeto, assim como dos lençois freáticos e das bacias de contribuição. Já as avaliações geológicas permitem o mapeamento da fundação e previsão dos tipos de tratamento que serão necessários para um melhor desempenho dos materiais, assim como a caracterização das potenciais jazidas de empréstimo. Complementar a estas atividades, tem-se os estudos geotécnicos, onde são estabelecidas as relações de todas as variáveis, no sentido de ter uma estrutura tecnicamente exequível, dentre os parâmetros de estabilidade necessários e as necessidades do projeto. Em paralelo, são avaliadas as necessidades de escavações, reforços estruturais, dispositivos de vertimento, drenagens internas e superficiais, instrumentação, dentre diversos outros fatores, dependentes da experiência, competência e comprometimento da projetista. É também na fase de projeto que são especificadas as diretrizes para construção e operação da estrutura.

As projetistas devem buscar o aperfeiçoamento constante de sua equipe, uma vez que é fundamental que haja conhecimento técnico aprofundado ao se estabelecer critérios de dimensionamento de uma barragem. Ter a atuação de profissionais com alto grau de especialização afeta diretamente na qualidade do produto desenvolvido, principalmente no que diz respeito a senioridade para estabelecer comparativos em projetos similares com materiais semelhantes.

CONSTRUÇÃO E OPERAÇÃO DE BARRAGENS

A construção de barragens nem sempre consegue ser fiel ao especificado em projeto, principalmente pelo fato de que há muitas variáveis associadas que requerem um acompanhamento de campo efetivo durante as etapas construtivas. Por se tratar de obras extensas, com um grande volume de materiais associados, torna-se impossível caracterizar esses materiais em sua plenitude na fase de elaboração dos estudos e projetos. Soma-se a esse fato, que alguns projetos aguardam meses para serem executados, e as variáveis construtivas mudam com o passar do tempo. Por exemplo, ao realizar uma escavação obrigatória, pode-se deparar com um material geológico diferente do que foi amostrado e investigado, ou então, ao coletar os materiais especificados, percebe-se que os volumes disponíveis precisam ser revistos. Ou então, topograficamente, verifica-se um campo um eixo mais atrativo em função de uma nova disponibilidade de área, sendo até mesmo necessário revisar os estudos em função de uma nova necessidade de volumes e áreas.

Por esse motivo é importante que aconteça o Acompanhamento Técnico de Obra – ATO, por parte da projetista, para que sejam avaliadas e emitidas as revisões de projeto necessárias para o bom andamento da construção, sem afetar a estabilidade da barragem. Esse acompanhamento deve ser feito por profissionais qualificados integrantes de uma equipe multidisciplinar, que possuam pleno conhecimento dos estudos que foram realizados para a emissão dos projetos, podendo assim, atuar nas demandas específicas de cada etapa da implantação. Durante o acompanhamento de campo são emitidos desenhos e especificações complementares que, ao final da obra, irão compor a documentação de “As built” da estrutura. Garantir que um projeto está sendo executado conforme os requisitos estabelecidos nas avaliações e estudos técnicos é fundamental para que a estrutura atinja os potenciais máximos de operação e segurança.

Os procedimentos de operação devem ser reavaliados periodicamente, a medida em que são obtidos dados dos instrumentos instalados na estrutura e que há alterações nos tipos de materiais lançados no reservatório, nos pontos de captação, na geometria dos barramentos, dentre outros. A avaliação das leituras de medidores de nível d’água, piezômetros e medidores de recalque permitem identificar potenciais problemas em decorrência da operação, direcionando a intervenção antes que a anomalia se agrave. Nesse sentido, também devem ser previstas inspeções visuais periódicas de segurança, para coleta de dados e previsão das manutenções periódicas. Na operação de uma estrutura é necessário que haja um grande comprometimento do empreendedor, no sentido de estar atento as alterações das solicitações de campo no decorrer do tempo, e atuar na redução dos potenciais gatilhos de instabilidade.

Por fim, e não menos importante, tem-se as questões associadas a fiscalização dos empreendimentos, que passa, basicamente, por critérios associados a elaboração do Plano de Ações Emergenciais (PAEBM, ou PAE) e do Plano de Segurança de Barragens (PSB). A depender do porte da estrutura, dos materiais comportados e do dano potencial associado, assim como outros itens dos sistemas de classificação, tem-se uma severidade maior ou menor nas ponderações a serem feitas neste tipo de documentação.

LEGISLAÇÃO APLICADA A BARRAGENS

O PAE trata, fundamentalmente, do estabelecimento de diretrizes e de informações com o objetivo de adotar procedimentos lógicos, técnicos e administrativos, de forma estruturada, para propiciar uma resposta rápida, eficiente e articulada. Simultaneamente, também se constitui em um instrumento preventivo e de gestão operacional que, ao identificar este risco, pode estabelecer os meios para agir em uma eventual ruptura da barragem, incluindo, dentre outros aspectos, o desencadeamento de ações de evacuação, de prestação de socorro e assistência às populações afetadas, proteção de propriedades e a busca pela minimização dos impactos ambientais.

Na medida em que o estudo de “Dam Break” determina a abrangência da onda de cheia e a respectiva área de inundação, sua severidade e a velocidade com a qual os níveis de água atingem as faixas de terra a jusante da barragem, é possível estabelecer no PAE a caracterização das áreas passíveis de serem atingidas pela onda de cheia proporcionada pela ruptura do maciço, identificando as populações residentes nessas áreas e os usos que estas fazem do solo. Na caracterização das áreas, busca-se ainda identificar pontos sensíveis e recursos externos existentes, incluindo estruturas que, caso sejam atingidas, podem comprometer a qualidade de vida da população.

Sendo assim, em relação à estabilidade e segurança de barragens, mensurar o gatilho que desencadeia o rompimento é discutir sobre falhas de monitoramento, caso fortuito, força maior, e tendo dentre as premissas da Política Nacional de Segurança de Barragem a redução da possibilidade de acidentes e suas consequências, percebe-se, a partir dessas situações, a tamanha importância das medidas de controle e monitoramento bem definidas, bem como de planos de ações de emergências fáceis e práticos de serem aplicados.

Avaliar as condições de estabilidade de uma estrutura e garantir a segurança de barragens requer uma investigação geológica-geotécnica consistente, a elaboração de projetos baseado em premissas confiáveis, controles rigorosos da metodologia construtiva e operação, além de mecanismos efetivos de manutenção e monitoramento.

Segundo Morgenstern: “Uma corporação bem intencionada, que emprega consultores aparentemente bem qualificados, não possui garantia da não ocorrência de graves acidentes”. Embora as decisões na escolha dos itens que condicionam o projeto, a construção e operação das estruturas possa ser baseado em definições não tão razoáveis sobre a definição dos riscos, deve-se reconhecer que é esperado que haja uma diminuição do risco de ruptura com um projeto adequado e uma operação consciente.

Rafaela Baldí Fernandes

Engenheira Civil pela UFMG, Mestre em Geotecnia pela UFOP com a Dissertação “Nova metodologia para unificação do sistema de classificação de barragens de rejeito”, Doutoranda em Geotecnia pela Universidade do Porto/Portugal, em estudos de liquefação e análises de estabilidade. Especialista em Gestão de Risco de Escavações Subterrâneas pela USP/FEUP. Autora do Livro: “Manual para elaboração de Planos de Ação Emergencial para Barragens de Mineração”. Consultora e Engenheira Geotécnica em diversos projetos, construção e operação de barragens, experiência na elaboração de PAE e PSB e autora de livros sobre o tema. Membro do Comitê Brasileiro de Barragens, da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e da Associação Brasileira de Geossintéticos. Professora Universitária e de cursos de Pós graduação, Diretora de Meio Ambiente no Instituto Brasil
e Coordenadora no Departamento de Geotecnia do Instituto Minere.

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