Fluxo nos solos e os problemas geotécnicos em barragens de terra

por Márcio Leão em 19/Nov/2021
Fluxo nos solos e os problemas geotécnicos em barragens de terra

A elaboração da rede é feita a partir de linhas traçadas no local onde existe o fluxo (Figura 1 e vídeo), representando as linhas de fluxo e equipotenciais. Esta representação gráfica é baseada na equação de Laplace, que trata do fluxo em um meio poroso. Quantificar e controlar o movimento da água é de suma importância para evitar fenômenos de liquefação e erosão interna (piping), por exemplo.

Assim, as linhas de fluxo indicam a trajetória macroscópica da partícula através do meio poroso. Já as linhas equipotenciais representam linhas de mesma energia (mesma carga hidráulica). Observando a Figura 1 podemos identificar algumas características. As linhas de fluxo e equipotenciais não se cruzam. A rede de fluxo deve satisfazer as condições de contorno do problema (contornos impermeáveis, por exemplo). Entre duas linhas de fluxo sucessivas (canal de fluxo) percola a mesma quantidade de fluxo. A mesma perda de carga ocorre entre duas linhas equipotenciais. Interessante, não?

Figura 1 - Relação entre as linhas de uma rede de fluxo.

Quando desejamos traçar uma rede de fluxo, é fundamental que você determine não apenas as condições de limites, mas também as de escoamento. Isso é necessário porque o fluxo pode se encontrar em uma condição confinada ou não confinada. Nesse sentido, precisamos definir a linha equipotencial máxima (superfície de entrada), a equipotencial mínima (superfície de saída) e linhas de fluxo superior e inferior. Assim, se todas as condições de contorno forem atendidas, o fluxo é considerado confinado e, da mesma forma, se ao menos uma delas não for, ele será considerado não confinado, como apresentado na Figura 2 pela linha freática B-C. Uma vez definidos os dois tipos de condições (confinado e não-confinado), são avaliadas quatro condições de contorno, ou seja, superfície impermeável, superfície em contato com o líquido, superfície livre de fluxo (Linha C-D na Figura 2) e linha freática.

Figura 2 - Fluxo não confinado.

Em meios heterogêneos, formados por mais de um material natural ou mesmo material com características distintas, como os corpos das barragens de terra, as permeabilidades são diferentes. Assim, uma barragem de terra pode ter o núcleo argiloso (baixa permeabilidade), espaldares arenosos (permeabilidade mais elevada) e fundada em rocha ou solo com distintas permeabilidades. Como utilizar a solução para materiais homogêneos aqui? Basta que levemos em consideração as condições de transferência das linhas de fluxo entre os distintos meios, pois quando a água atravessa a interseção entre dois solos, as linhas de fluxo alteram a direção. Quando a permeabilidade também é alterada, por exemplo, quando o fluxo sai de um solo de alta para um de baixa permeabilidade, os canais se alargarão para compensar a vazão e a perda de carga; do contrário, o canal se estreita.

Se compararmos a aplicação da rede de fluxo em meios homogêneos com meios heterogêneos, veremos que, além de complexa, o meio heterogêneo pode fornecer diferentes resoluções para um mesmo problema, sendo dependente das hipóteses consideradas. A Figura 3 mostra um exemplo da interpretação de duas redes para um mesmo maciço de barragem de terra composto por dois materiais (Solo 1 e Solo 2). O Solo 1 é um material altamente permeável e o núcleo da barragem (Solo 2) tem permeabilidade cinco vezes menor que o outro.

Figura 3 - Exemplos de redes de fluxo.

Olhando ambas as soluções, notamos que em A foi utilizada uma rede de elementos quadrados no Solo 1 e retangulares no Solo 2, de forma a manter a igualdade da vazão e a perda de carga. Já na solução B foi traçada uma malha quadrada tanto para o Solo 1 quanto para o Solo 2.

Se considerarmos um solo arenoso submetido a um fluxo ascendente, a presença de água no solo pode provocar a ruptura hidráulica do mesmo, representando a perda da estabilidade em função da perda da resistência causada pelas forças de percolação da água. Fisicamente, isso significa que as forças de percolação se igualam às forças gravitacionais efetivas, se o gradiente hidráulico for elevado, resultando em uma força efetiva nula. Podemos demonstrar melhor essa situação utilizando o gradiente hidráulico crítico ( ic ), sendo 1 para a maioria dos solos, todavia pode ser determinado pela expressão:

Quando o solo arenoso, que não possui coesão, apresenta uma condição de fluxo para ic , ele passa a se comportar como um líquido (i ≥ ic), cujo fenômeno é conhecido por areia movediça. Esse fenômeno é raro na natureza, mas pode ser provocado pela ação antrópica (Figura 4), como uma barragem ou uma escavação.

Figura 4 - Fenômeno da areia movediça por fluxo ascendente.

Na Figura 4A temos um exemplo de uma barragem fundada sob solos arenosos, o mais superficial e fino e o mais profundo e grosso. Se observarmos as setas, a água percolará pela camada mais grossa e sairá pela camada de areia mais fina, através de um fluxo ascendente. Da mesma forma, no exemplo da Figura 4B é apresentada uma escavação em solo arenoso saturado, em que foi feito um rebaixamento do nível d’água (N.A.) para que possam seguir as escavações. Note que o fluxo também será ascendente, podendo provocar o fenômeno da areia movediça se as condições de que falamos anteriormente forem atendidas.

Outro problema relacionado ao fluxo de água nos solos é chamado de piping. Esse fenômeno representa a erosão no solo, seja no contato da fundação com a barragem ou nos corpos das barragens de terra, devido ao carreamento das partículas em função de forças de percolação elevadas. Quando essas forças superam as de atrito das partículas, há propensão de carreamento, gerando tensões axiais reduzidas. Essa erosão ocorre à jusante da barragem de terra (saída de água), principalmente. Depois de iniciado, o processo é progressivo, desenvolvendo um mecanismo tubular de erosão, que pode levar ao colapso da estrutura. Algumas formas de combater esses mecanismos é reduzir a vazão de percolação e implantação de drenagens.

Vimos os efeitos da água nos solos, a relação entre os parâmetros hidráulicos dos solos e sua importância para as obras de engenharia, mas você saberia como obter esses parâmetros e de que forma eles seriam suficientemente representativos quanto à permeabilidade do solo, por exemplo? Em laboratório, vimos os permeâmetros, mas em campo, quais ensaios poderíamos utilizar?

Determinar a permeabilidade em laboratório é bem simples, mas os ensaios em si são de difícil reprodução e, desta forma, a representatividade dos resultados é condicionada pela qualidade tanto das amostras como da execução dos ensaios. Em campo, os ensaios são de difícil controle, se forem comparados ao laboratório, porém eles representam melhor as condições do maciço.

 

Márcio Leão

É Pós-Doutor em Geotecnia pela UFV, Doutor em Geologia de Engenharia pela UFRJ, Doutorando em Geotecnia pela UERJ, Mestre em Geotecnia pela UERJ, Mestre em Geologia de Engenharia pela UFRJ, possui MBA em Gestão de Projetos pela USP e Bacharel em Geologia pela UFRJ. Geólogo com 13 anos de experiência em planejamento de obras de arte de engenharia civil, nacionais e internacionais. É Docente de Graduação e Pós-graduação. É Pesquisador e Consultor nas áreas de Geologia de Engenharia e Geotecnia, com ênfase em mecânica das rochas, mecânica dos solos, barragens, túneis, taludes e meio ambiente, investigações de campo e ensaios de laboratório e in situ, bem com instrumentação geotécnica. É Membro de Comissões Técnicas, de Corpo Editorial e Revisor Ad hoc de Periódicos nacionais e internacionais.

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