Desafios do Monitoramento Geotécnico na Mineração

por Thiago Marques Teixeira em 28/Jan/2022
Desafios do Monitoramento Geotécnico na Mineração

O monitoramento geotécnico de taludes e cavas de mineração apresentou nos últimos anos um avanço exponencial, seja pela variedade de opções de instrumentação atrelada principalmente ao avanço das tecnologias, como também pela demanda técnica e legal aplicada aos projetos. Especificamente para cavas destacam-se como exemplo os piezômetros, inclinômetros, marcos superficiais, prismas e radares, além dos métodos via satélite, conhecidos como InSAR (Figura 01).

Entretanto, a convivência entre o monitoramento e a atividade de explotação mineral nem sempre é fácil. Existem dificuldades relacionadas a instalação de equipamentos, manutenção e leituras em campo, controle e garantia da qualidade dos dados, metodologias e até capacidade técnica, dentre outras dificuldades, que torna o monitoramento geotécnico efetivo um grande desafio para os profissionais da área.

Figura 01: Monitoramento via radares de solo. Fonte: Autor

          

Plano de Monitoramento X Plano de Lavra

Antes de se elaborar um plano de monitoramento para taludes de cava de mineração é preciso primeiramente compreender o plano de lavra, quais as sequencias de abertura da cava e quais litologias estarão expostas ao longo da vida mina, sejam taludes temporários ou finais. Para tanto a correta caracterização geotécnica das litologias tornará possível ao profissional selecionar quais os instrumentos poderão lhe fornecer o melhor retorno quanto aos dados de monitoramento e além disso quando instalar cada instrumento e também quando descomissionar (caso necessário).

Entretanto embora pareça simples se implantar um plano de monitoramento geotécnico, na prática o que se vê em muitos casos é a dificuldade de realizar de fato o monitoramento. Em cavas de mineração mais antigas, muitas das bermas ou bancadas não possuem mais acessos seguros, seja por erosões ou rupturas de face, fazendo com que grandes porções dos taludes não sejam mais acessíveis, impossibilitando a instalação de instrumentos. Nesse caso, a depender da necessidade de monitoramento e existindo a possibilidade de se realizar alguma correção nas bermas ou até mesmo um “push back” parcial, que permita criar novos acessos, deve ser contemplado pelo planejamento de lavra. Entretanto quando a retomada do talude não for possível, seja por questões técnicas ou financeiras, a geotecnia pode recorrer a métodos indiretos, como radares, estações robóticas e / ou satélites.

Em projetos novos (Greenfield), onde cavas ainda serão abertas, o plano de monitoramento pode ser pensado e executado da melhor forma possível. Nesse ponto é que a geotecnia deve ganhar atenção especial, desde os primeiros estágios do desenvolvimento do empreendimento mineral, permitindo que as investigações corretas sejam realizadas para caracterização geotécnica dos litotipos como também no desenvolvimento de um modelo geotécnico que possa integrar o modelo geológico, possibilitando que o plano de lavra seja cuidadosamente estudado antes das operações se iniciarem (Figura 02).

Figura 02: Mapa de riscos geotécnicos e estruturas geológicas (falhas) mapeadas e modeladas permitem que o planejamento de mina tenha uma visão de quais estruturas podem representar riscos a lavra. Fonte: Autor

O mapeamento geológico-geotécnico e a descrição geotécnica a partir de sondagens específicas, (se possível orientadas - Figura 03) fornecem informações que permitem que a futura cava seja setorizada, assim para cada setor da mina serão definidos parâmetros que atendam ao Fator de Segurança (FS) mínimo. A partir de então o planejamento de mina trabalhará no desenvolvimento de uma cava que obtenha o FS ideal em cada setor da mina, maximizando a lavra e garantindo a segurança da operação (Figura 04).

Figura 03: Equipamento para controle de rotação de testemunhos em sondagens geotécnicas. Permite a descrição de estruturas geológicas e a respectiva modelagem. Fonte: Autor              

Figura 04: A setorização geotécnica da cava é fundamental na determinação dos parâmetros geométricos do pitFonte: Autor. 

Um plano de monitoramento geotécnico poderá ser elaborado e executado ao longo da vida da mina, utilizando-se como base o plano de lavra de longo prazo, permitindo a correta gestão do risco geotécnico do empreendimento. Sendo assim as bancadas necessárias para o plano de monitoramento geotécnico devem ser preservadas e receber cuidados especiais ao longo da lavra, para permitir entrada de pessoas e equipamentos (Figura 05).

Figura 05: Instrumentação de monitoramento aplicada em uma cava de mineração.

Fonte: instrumentals

Figura 06: Desmonte de rochas com explosivos, necessário determinar a distância mínima para os instrumentos de monitoramento evitando-se danos aos mesmos. Fonte: Autor.

                   

Desafios também existem para os métodos indiretos como os radares de solo (Ground Radar) que podem ser considerados atualmente como um dos mais desejados pelos profissionais de geotecnia. A versatilidade dos radares tornou a ferramenta uma das formas mais rápidas de se obter dados sobre a deformabilidade de taludes, considerando a taxa de deformação (velocidade) e deslocamento total (deformação). Entretanto os radares são equipamentos muito sensíveis, cujos dados para serem corretamente interpretados necessitam de um tempo mínimo (depende de cada caso) para obtenção e interpretação de dados, fornecendo um histórico de informações que permitem ao profissional separar movimentos reais de falsos alarmes (Figura 07).

Figura 07: Radar de monitoramento de solo (Ground Radar). Fonte: GroundProbe.

Há de se destacar que a atividade de lavra dos taludes em muitos casos gera dificuldades para o monitoramento com radares de solo, sendo as mais comuns, a necessidade de remoção temporária do radar para realização de desmontes com explosivos e a mudança da base de monitoramento do radar devido ao avanço da lavra.

Porém a grande vantagem dos radares em detectar movimentações milimétricas pode se tornar um dificultador no monitoramento, pois é necessário realizar a separação entre as áreas da mina com deformação real e atividades de lavra, que podem gerar falsos resultados. Assim sendo a criação de “máscaras” nos softwares dos radares ajudam a separar as áreas em lavra ou de movimentação de equipamentos das áreas de interesse geotécnico que sejam monitoradas, contribuindo para a correta interpretação sobre a deformação de taludes (Figura 08). 

Figura 08: Imagem de software de monitoramento a partir de radares de solo. Importante para o profissional identificar as áreas em lavra dos taludes de interesse, reduzindo-se os erros de interpretação sobre possíveis deformações. Fonte: Autor 

Interpretação X Rotina

A rotina de um profissional da área de geotecnia, acompanhou a tecnologia disponível e mudou bastante nos últimos tempos, pois atualmente existe uma grande variedade de softwares, instrumentos e computadores com múltiplas capacidades, por isso justamente a conciliação de rotina de campo e de escritório para interpretação de todos os dados existentes se tornou também um novo desafio. As empresas devem estabelecer no planejamento da rotina das suas equipes, tempo suficiente para que os profissionais específicos possam realizar a interpretação de todos os dados gerados, comparando dados históricos e gerando resultados mais assertivos. A partir deste ponto que o trabalho geotécnico se conecta com a história de vida da mina e passa a fazer sentido para os profissionais. A caracterização geotécnica dos litotipos, iniciada antes mesmo da abertura da cava, e a implantação do sistema de monitoramento aliado a rotina de leitura e interpretação de dados contribui no correto entendimento da geodinâmica dos taludes e auxilia na tomada de decisão.

As rotinas de campo são parte do plano de monitoramento e contribuem para a identificação de estruturas geotécnicas, como falhas, fraturas e outras anomalias como trincas e recalques, que possam representar um potencial de dano para a atividade minerária, ou seja, perigos (hazards), para a atividade de lavra. Dessa forma as inspeções e mapeamento contribuem para que os modelos geotécnicos sejam constantemente atualizados a medida que a lavra se desenvolve e novas feições passam a ser expostas (figura 09).

Figura 09: Mapeamento geotécnico e atualização de modelos geotécnicos. Fonte: Autor.

Gestão de Risco X Monitoramento

A gestão de risco por meio de diferentes metodologias procurará identificar os riscos geotécnicos aos quais o empreendimento mineral estará sujeito e quais as medidas preventivas e mitigadoras serão necessárias para cada cenário de evento possível. O Bowtie é uma das formas de se organizar e compreender quais as causas de um evento indesejado (aquele com potencial de dano não aceitável na corporação) e quais as medidas preventivas e mitigadoras  necessárias. (Figura 10).

Figura 10: Diagrama de Bowtie utilizado na gestão de riscos. Fonte: READ, J., & STACEY, P. (2009).

                  

Entretanto o momento em que uma determinada ação preventiva (medida preventiva) deverá entrar em operação será determinada pelos gatilhos, conhecidos na geotecnia como TARPS (Trigger Action Response Plans). Para que uma TARP seja considerada eficaz, esta deve equilibrar a atividade de produção com a segurança dos taludes, associada ao gerenciamento de riscos na mineração. Existem muitos desafios ao se desenvolver uma TARP de fato eficiente, seja definindo os gatilhos adequados, como também estabelecendo os limites que estes façam sentido em termos de deformação do maciço do talude e assim forneçam respostas para áreas específicas dos taludes, Chapin & Abrahams, 2020.

As TARPS são acionadas quando um determinado índice de monitoramento é alcançado, seja por um nível d’água em um piezômetro ou mesmo a velocidade de deslocamento / deformação de uma determinada face de um talude que atinge um nível considerado crítico. É nesse momento em que a pergunta sobre qual pode ser considerado o nível crítico vem a tona, entretanto essa pergunta não pode ser respondida de forma trivial apenas considerando uma pequena base de histórico de monitoramento ou mesmo percepções subjetivas do geotécnico (a), a menos que a indicação de criticidade seja latente e evidente da situação de perigo, porém nesse caso pode-se não haver tempo suficiente para a tomada de ações preventivas.

Pode-se dizer que a gestão de risco, como metodologia independente, responderá ao profissional / empresa um resultado do que foi seu “input”, ou seja, se são inseridas informações básicas e com pouco fundamento, o resultado será da mesma forma duvidoso, podendo incorrer em erros de interpretação. A união entre o monitoramento e a gestão de riscos geotécnicos é fundamental para o empreendimento, dessa forma todos os atores incluindo desde a pesquisa geotécnica, planejamento de mina, segurança do trabalho e governança devem possuir papeis bem definidos em prol da sustentabilidade geotécnica sem a qual a empresa pode incorrer em riscos inaceitáveis. 

Concluindo

Os recentes acidentes e incidentes geotécnicos demonstram que o monitoramento geotécnico é uma atividade que deve prevalecer ao longo de toda a vida do empreendimento mineral, sempre aliado a boa prática de pesquisa geotécnica, modelamento e planejamento de lavra. Para que a gestão de riscos geotécnicos seja efetiva e eficiente, a geotecnia deverá identificar quais instrumentos e metodologias podem fornecer a melhor informação a respeito da geodinâmica dos taludes. Importante destacar que nem sempre a resposta sobre o comportamento de um talude será respondida pelo equipamento mais avançado, mas sim pelo método mais apropriado a cada tipo de geologia e lavra, por vezes a simples inspeção visual pode ser a melhor técnica aplicada.

É consenso entre os profissionais da área que a sobrevivência da atividade mineral depende da sustentabilidade geotécnica, ou seja, que garanta a segurança para pessoas, equipamentos e meio ambiente, respeitando a legislação e seguindo sempre as melhores práticas.


Thiago Marques Teixeira

Thiago Teixeira é Geólogo (UFRJ), mestre em Engenharia Geotécnica (UFOP). É especialista em Desenvolvimento Mineral pela Fundação Gorceix – UFOP, Geotecnia e Modelagem Matemática. Com vasta experiência no desenvolvimento de projetos minerais Thiago sempre teve na infraestrutura, geologia e geotecnia a base de seus trabalhos, aliando o correto planejamento com um bom trabalho de campo. Já atuou coordenador de Geologia e Hidrogeologia de companhia de grande porte, Auditor Interno na ISO 14.001, fiscalizado diversos trabalhos de pesquisa mineral. Destaque no Congresso Mine Closure Solutions sobre as novas tecnologias no Monitoramento de Taludes. Participou de treinamentos na Itália sobre tecnologias de monitoramento de taludes.

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